Começou ouvindo uma música lenta e profunda. Decidiu, pois, estar imersa lentamente nessa profundeza, com o ar de tristeza que cabia. Afinal, a música deu o tom. O problema é que as que seguiam variavam: ora mais animada, ora mais dura, ora intensa demais e, tantas outras vezes, mansa de levitar. Não sabia mais como se sentia. Ainda que fosse tentador oscilar entre bastantes sensações e emoções, era de se exaurir. Não queria admitir. É terrível não cumprir com o que se escuta. Se a música não contava, só se sentia nada.
12 de set. de 2013
8 de mai. de 2013
Decadência interrompida
A atriz em decadência é
uma ideia adiantada – equivocada, se preferir. Afinal, a decadência advém de
uma altura de que se pode cair. Mas quem disse que não se cai do chão? Com a
atriz em questão, a decadência é só dela, a altura nunca houve, chão, também
não.
Vamos decidir que o
nome dela é Beatriz, porque a música é bonita. Uma atriz tem que ser bonita. E dramática.
Histérica, de preferência. Beatriz, em estereótipo, cumpre muito bem o
esperado.
(nota: be (verbo to be,
ser, estar) + atriz => vai saber)
Beatriz não é ruiva. Por
algum motivo eu esperava que ela fosse, mas não é. Nem loira, que não suporto
loiras – não sei bem o motivo. Inveja? Dificilmente. Acho que por ser a não minha
cor. Também não gosto de amarelo. Gosto de vermelho, porém, ela não é ruiva.
Isto basta. Sua pela não é branca nem é preta. É a pele dela, sua cor. A estatura
não importa, que aparecerá mais sentada ou em quadros de corpo em partes,
(raramente ou) nunca inteiro. Sua roupa, um roupão – não de toalha, tem que ser
glamouroso de cetim (ela não está saindo da natação). Está descalça. Seus pés constantemente
gelados, assim como suas mãos. E o coração, inquieto. Uma arritmia, não
diagnosticada, fazendo questão de que o coração seja notado, a pulsação
inconstante e o cano inoxidável reparados.
Só interessa o que
acontece internamente em seu corpo: os calores e calafrios, o suor, o
formigamento.
Beatriz encontra-se de
frente para um espelho iluminado (por aquelas diversas lâmpadas servindo de
moldura). Olha-se com pena de si mesma e se detesta por isso. É claro, sempre
ensinaram que ter pena é um sentimento merecedor de pena – ainda mais quando é
de si mesmo. Não tem como ser pior. Nem melhor.
Ela ensaia um choro,
mas se mantém imóvel, embora algumas súbitas lágrimas se apresentem. É coberta
de um orgulho secreto ao ver seu rosto umedecido porque queria – ou sofria sem
admitir. Um sorriso lhe escapa, mas logo o esconde, afinal, isso realmente não
pode. Não importa o orgulho, o choro é sério.
Num movimento suave,
seu braço se desloca levando sua mão, como uma bailarina, ao rosto longe de
estar encharcado. Secou as bochechas agressivamente. Parecia combinar melhor
com a cena, e a quebra da suavidade sempre causa um bom efeito. Não chora mais. Entretanto, ainda está de
frente pro espelho emoldurado de luzes. Está parada. Continua se encarando. Levanta-se
sem desviar o olhar ou mexer os braços, só as pernas a sustentam.
É impressionante o
esforço necessário para se manter em pé. Por mais que queira que seja simples,
poderia-se dizer que se sustenta como uma elefanta prenha em cima de um mini
palco de cristal. O motivo de estar prenha é quase irrelevante, uma vez que
elefantes sempre serão pesados, independente de carregamentos a mais. Mas a
comparação é válida.
Agora, Beatriz, nossa
pobre atriz, levanta os calcanhares, mantendo os dedos do pé quase firmes no
chão frio – quente, só se fosse asfalto exposto ao sol pelo dia inteiro. Os poucos
centímetros a mais servem para seus quadris aparecerem no espelho emoldurado de
luzes.
Estranho como as luzes
do espelho pareciam tão constantes, mas agora piscam sem ritmo, típico de uma
enxaqueca sob luz incandescente. A moldura
está falha. Até que se apaga. Não há luz. É Só escuridão. A atriz mal ficou de
pé, percebeu-se quase inteira e se apagou. Acabou.
24 de abr. de 2013
Modinha incompleta
Eu preciso de um poeminha
para contar meu coração
coisa simples, pequenina
feito um samba-canção
para contar meu coração
coisa simples, pequenina
feito um samba-canção
23 de jan. de 2013
A imagem de um homem esticado no chão, com os braços ao longo do corpo, as pernas esticadas - estando uma cruzada pela outra -, de bruços, completada com uma poça de sangue precisamente ao lado de seu pescoço é, no mínimo, incômoda. A cara de espanto de quem, subitamente, teve tal imagem passada por seus olhos é esperada. Mas não desta vez. Não houve espanto, ou mesmo incômodo. A poça vermelha, vinho, quase bordô, estava vivamente posicionada e sua forma levantando a dúvida da possibilidade de alguém realmente sangrar com tanta perfeição. Sangrou com perfeição. O corpo estava lindamente pousado, o sangue derramado estava simplesmente perfeito. Por instante, pensaria que o homem só descansava e o sangue era só uma mancha bem feita por quem já pintou por ali. Ele, cansando, e a mancha, tão bonita, parecia aconchegante para os ossos relaxarem. Ninguém morre com tanta precisão. Alguém ainda vai dizer que ao verem o rapaz espatifado, não acharam digno deixar as tripas estouradas aparecendo. Era melhor que ajeitassem-no e limpassem o borrão, mantendo somente a quantidade exata de vermelho, vinho, quase bordô, para uma morte organizada. Ele não morreu bonito, ele foi arrumado, insistiriam. Se houvesse um olho presenciado o acidente - se foi acidente -, poderia dizer que ele morreu como se morre aquele que faz arte com o próprio cadáver, que faz poesia com a falta de alma, que tem porte para ser morto enquadrado. Por enquanto, ele só sangrou com perfeição.
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